sexta-feira, 11 de abril de 2014

Entrevista de fundo

A presidente do Partido foi hoje entrevistada pelo mais antigo e de maior tiragem diário da Nigéria, o Nigerian Tribune. Na entrevista foram-lhe colocadas algumas questões, que Carmelita Pires aproveitou bem para expor a sua opinião sobre vários assuntos.

Tradução

A Sra. Carmelita Pires, ex-ministra da Justiça da Guiné-Bissau e candidata a Primeira-Ministra nas próximas eleições legislativas na Guiné-Bissau, fala, nesta entrevista com Seyi GESINDE, sobre os seus programas de governação, da relação bi-lateral do seu país com Portugal e dos planos para tornar o seu país financeiramente independente. 

Trechos da entrevista: 

Por que razão se candidata ao cargo de primeira-ministra do seu país, a Guiné-Bissau?

Se me candidato a este cargo, é porque quero saldar a dívida para com o meu país. A minha geração (tenho 50 anos de idade) teve acesso privilegiado a uma educação de qualidade, no contexto de esperança depositada pelo povo na independência nacional, a qual foi duramente conquistada depois de uma longa guerra de libertação, liderada pelo nosso grande líder, Amílcar Cabral, que infelizmente não viveu o suficiente para conduzir o processo. Hoje, quando olho para a realidade, a pobreza extrema, os sistemas de educação, saúde e justiça, completamente desmantelados,compreendo a sorte que tive. Toda a formação e experiência que acumulei, vieram juntar-se a uma vocação já antiga para a política, e o fato de me sentir inconformada com toda a confusão e desordem que grassa no meu querido país, levou-me a aceitar este desafio, propondo aos meus compatriotas, a aposta na formação de um governo inclusivo. Os lemas principais deste meu projeto podem ser resumidos em três pares de palavras : Ordem & Organização; Responsabilidade & Rigor; Competência & Consistência, ou seja, OO - RR - CC, que escolhi como slogans para a minha campanha . 

Ainda a recuperar das sequelas do golpe de Estado de há dois anos no país, com um novo processo político em curso, acha que as pessoas estão prontas para um governo democraticamente eleito? 

O povo, o que inclui os militares, estão prontos para qualquer proposta séria que possa trazer-lhes paz, harmonia e um mínimo de desenvolvimento. Na quarta-feira, a Voz da América (VOA), num artigo dedicado à Guiné-Bissau, afirmou que as pessoas estão cansadas de promessas. Este pequeno país, com pouco mais de um milhão e meio de habitantes, tem um grande número de partidos, dezenas, dos quais apenas 15 foram aprovadas pelo Supremo Tribunal para se candidatar a estas eleições, o que traduz bem o nosso desejo de uma mudança radical para a Guiné- Bissau, quebrando assim com os ciclos viciosos de instabilidade política das últimas quatro décadas, após o assassinato do nosso amado líder, Amílcar Cabral. Para responder à sua pergunta, mais do que pronto, o povo está com fome de mudança. 

A apenas alguns dias para as eleições, o Primeiro Ministro Português, Pedro Passos Coelho, falou sobre a implosão do Estado da Guiné-Bissau por causa do tráfico de drogas, foi criticado por muita gente, porquê?

A poucos dias da eleição, falar da "implosão do Estado da Guiné-Bissau por causa do tráfico de drogas" é totalmente desadequado. Como ex-ministra da Justiça, responsável pela luta contra o tráfico de drogas, estou excepcionalmente qualificada para o afirmar. Indo às urnas para escolher um novo governo e um novo presidente, investido de uma nova legitimidade acima de qualquer suspeita, este é um momento de esperança . É hora de levantar a cabeça. Uma palavra de incentivo teria sido mais apropriado. Ainda menos justificada neste contexto, é a manifestação portuguesa de interesse em participar numa missão da ONU. Portugal recusou tropas para a operação dessa organização na República Centroafricana. Esta oferta seletiva é bastante desapropriada. Falar sobre cooperação também parece ser um equívoco. Cooperação envolve duas vontades independentes e baseia-se num diálogo. A decisão de anunciar os detalhes de um programa de cooperação na ausência de autoridades legítimas, pode ser percebida como unilateral e prematura. Alguma prudência seria apreciada por parte da antiga potência colonial. Portugal tem vindo a assediar a Guiné-Bissau nos últimos dois anos. Agora está na altura de respeitar a vontade do povo, expressa pelo voto. Se for eleita, não vou tolerar ofensas contra a soberania, ou que menosprezem o meu país.

Há muitos portugueses no seu país, a Guiné-Bissau é uma ex-colónia de Portugal, esse país (Portugal) ainda demonstra um grande nível de envolvimento com a sua administração central, julga que isso continua a afetar a democracia interna? Como se propõe lidar com isso? 

Os portugueses na Guiné-Bissau são nossos amigos, como ficou demonstrado, há dois anos, ao criticarem Portugal pela tentativa de "evacuar" os seus cidadãos, após o golpe (na realidade não passava de pretexto para uma eventual intervenção militar). Dos cerca de cinco mil portugueses no país, nem um único se dirigiu ao Consulado com esse fim . Esses portugueses não estão envolvidos na administração central, sendo, principalmente, comerciantes, agricultores e cooperantes, mas não têm quaisquer responsabilidades ao nível do estado. Infelizmente, o problema ocorreu há 40 anos, quando o país, ainda sem recursos humanos preparados para assumir os destinos da nação, rompeu com os quadros da administração colonial, promovendo pessoas mal preparadas e pessoal que estudara na antiga União Soviética, sem consistência ou criatividade para enfrentar os desafios e limitações no terreno, treinados para obedecer e não para pensar motivados pelas suas próprias cabeças ou para caminhar pelos seus próprios pés. Faço minhas as palavras de Amilcar Cabral, quando disse que "a nossa luta não é contra o povo português, mas contra o regime colonial." Hoje, somos contra a mentalidade neo-colonial nas relações bilaterais com o executivo português, o qual aliás tem sido bastante contestado internamente. 

A maioria dos projetos do governo são dependentes de financiamento externo, quais são os seus programas económicos para tornar o país financeiramente independente? 

A primeira coisa a fazer é tratar da reconstrução do Estado, que atualmente é completamente inexistente. Isso implica o controlo das fontes de divisas, especialmente da pesca, mineração e indústria florestal. Um controlo apertado, bem como o reforço da supervisão, permitirá, a curto prazo, o encaixe de receitas para financiar as áreas mais necessitadas e a consolidação do Estado. A nossa prioridade é lutar contra abordagens predatórias dos nossos recursos, com origem na opacidade assumida pelas respetivas concessões. Propomo-nos começar por um inventário sério, criar uma massa crítica nacional de informações, o que nos permitirá tomar as decisões adequadas nesta área, em termos de sustentabilidade para os recursos vivos, como peixe e florestas. Graças às facilidades oferecidas pelas novas tecnologias de informação, queremos transformar a Guiné-Bissau no primeiro ciber-estado: qualquer decisão do governo, será imediatamente divulgada no site governamental; implementaremos um sistema de informação geográfica e administrativa, permitindo a qualquer cidadão, em qualquer lugar do país, aceder a qualquer acto, como um simples pagamento acabado de fazer. Consolidar a confiança dos cidadãos, com a transparência que garante essa publicidade. Estaremos atentos a todas as tentativas de desvirtuar o sistema a ser implementado, verificando continuamente a sua consistência a todos os níveis; incentivaremos vários tipos de feedback, seja através do cidadão comum, ao qual será permitido denunciar, mesmo que anonimamente, factos suspeitos, mas também incentivar todo o tipo de "watch dogs" contra nós próprios. Conseguiremos assim banir a corrupção do nosso país e recuperar a dignidade, a credibilidade e o prestígio que o nosso país já teve, com Amilcar Cabral, junto de todos os africanos. Queremos transformar este país num exemplo de louvar. 

A Guiné-Bissau, desde a independência, tem sido governada sobretudo por um sistema de partido único, acha que isso é bom para a democracia e, se tudo continuar na mesma, não acha que isso vai encorajar a ditadura? 

Continuamos a viver sob uma hegemonia dissimulada do PAIGC, a coberto de uma polarização com outro partido, o PRS. A divisão em pequenos partidos e a dispersão de votos associados ao sistema de Hondt, que favorece os partidos maiores, tem dificultado o surgimento de uma terceira via. Por essa razão fiz um apelo aos pequenos partidos para juntarmos os votos no âmbito de uma Aliança Patriótica, liderada pelo meu partido (PUSD) para contrariar esse cenário. Acho que o problema real é mais o de incentivar a instabilidade do que o de incentivar a ditadura, e isso por causa da falta de liderança. É por isso que adotei uma postura de firmeza. Apenas um exemplo: quando tivemos um pequeno incidente no início da campanha eleitoral, com o espancamento de um candidato por parte dos militares, dirigi-me ao Hospital Militar, num gesto de solidariedade para com o meu colega, contribuindo para a libertação do envolvido e colocando um ponto final no caso. 

O Conselho de Segurança da ONU, na sua abordagem à transição política na Guiné-Bissau, no ano passado, mostrou-se preocupado com a "cultura de impunidade e falta de responsabilidade" na Guiné- Bissau e pediu a implementação de uma Conferência Nacional sobre a Impunidade, Justiça e Direitos Humanos. Essas medidas foram tomadas e as resoluções implementadas? 

Ações incipientes foram promovidas por mais do que uma organização internacional, mas isto não pode ser feito ao nível de uma simples conferência. Esse papel pertence ao novo governo, com a implementação de um Estado de Direito. Sei o que estou a dizer, como ex-Ministra da Justiça. Quase tudo está por fazer. Não vamos insistir muito com o passado, que devemos estudar para evitar incorrer nos mesmos erros, mas agora queremos reconstruir o nosso país a partir de praticamente zero; por outro lado, serei determinada e rigorosa no presente e comprometida com o futuro, não abdicarei quanto a esse ponto. Os nossos objetivos e preocupações sobre a nossa própria responsabilidade, é um forte sinal do nosso compromisso sobre este assunto.

1 comentário:

  1. Senhora Dra Carmelita Pires: permita-me manifestar todo o meu apreço pelo conteúdo desta entrevista. O Portugal colonizador foi vencido a 25.04.1974 e graças à luta conjunta das forças progressistas do povo português e dos povos das ex-colónias potuguesas 'em armas'. E fez muito bem em fazer lembrar, e com firmeza, ao primeiro ministro português que paternalismo é uma forma muito subtil de desrespeito. Povos amigos, SIM, MAS de igual para igual. Creia Dra Carmelita Pires na continuidade do meu profundo respeito e não menor admiração! A Guiné-Bissau começa a ter razões para acreditar.... Bem haja!

    ResponderEliminar